quinta-feira, 22 de abril de 2010

O exercício da paixão

Eu sempre quis escrever sobre maio de '68. Não porque tenha algum interesse no movimento estudantil, mas porque sempre quis falar sobre como as belas francesas empunhavam bandeiras como se fossem espadas durante a revolução, e sobre como os jovens eram arrastados pelas calçadas nas fotos de Serge Hambourg. Foi por isso que resolvi ser jornalista. Gosto de pensar que o jornalista é um contador de histórias. Ele está lá quando as coisas acontecem e depois fala do que viu. Devo dizer também que um bom jornalista nunca diz o que acha do que viu, mas faz com que as pessoas criem opiniões a partir do seu olhar.
O ano passado foi maçante. Meus jornalistas contadores de histórias interiores ficaram internados por um longo tempo. Aprendi com o meu primeiro ano de faculdade que o "fazer jornalístico" é o exercício do "não poder". Você não pode interrogar no título, não pode utilizar travessões, não pode deixar de usar o lead nas factuais, não pode usar uma série de adjetivos, não pode dar muitos rodeios... Você tem que ser preciso. Você tem que seguir um padrão.
Eu pensei em desistir e fazer cinema ou qualquer outra coisa com liberdade criativa. Só não segui em frente porque acredito no jornalismo literário e acredito que há muito o que contar sobre a realidade. Não há a necessidade de se entregar à ficção.
Tomás Eloy Martínez certa vez disse que se os jornais cada vez mais se recusam a publicar histórias vívidas, não há porque culpar a tv ou a internet por seus eventuais fracassos, e sim à sua própria falta de fé na inteligências das pessoas. Eu ainda diria mais: se os jornais não se renovam e continuam publicando matérias velhas e quadradas, é porque perderam a fé na inteligência de seus próprios repórteres. Jornalista escreve pra ser lido e não pra orgulhar a imprensa norte americana com o seu amado lead. Posso estar equivocada, mas ainda acredito que pessoas gostam de histórias. E não estou dizendo que certos textos não devam ser meramente informativos, eu estou dizendo que desistir do jornalismo que trata das pessoas é uma tremenda falta de fé e, de certa maneira, de humanidade. Simplesmente não consigo ser uma jornalista refém da globalização, dessas que tratam o relacionamento humano com tanta impessoalidade, frieza e superficialidade.

3 comentários:

Maria Carolina Lippi disse...

Muito bom o seu texto. Esse é o nosso papel mesmo. Mesmo com todas as regras, podemos fazer o que gostamos.

Cassie Maffei disse...

nem gostei do seu texto [cof~]

a nossa diferença pra esse tema fica em você escrever e eu botar pra dentro e me corroer com isso. te apoio em tudo o que disse.

Junkie Careta disse...

Não tenho a resposta certa para suas ansiedades baby, mas tenho a certeza de que não há ninguém(dos que valem a pena ler, ouvir, ver) que tenha feito algo significante que não tenha passado por esse conflito que vc está passando. Todos os que fugiram a essa regra, que eu li, vi, ouvi, são medíocres, escrevem de forma medíocre e fazem parte do "coro dos contentes", como disse aquele velho poeta.Sei o que é esse conflito e o vivo todos os dias. SOu músico/compositor e escrevo. Não há um dia que eu não me pergunte o papel da arte sem entrar em crise. Mas, acredito que essa crise é fundamental para o ato da criação, seja de uma música, um poema, um texto, um artigo.

A propósito, a qualidade desse seu texto aqui já é a prova de que o conflito é um grande aliado da inteligência e da originalidade.

Grande abraço