quinta-feira, 23 de outubro de 2008

Aquela velha escuridão II


(...)

Acabou se tornando um ritual o fato de eu não dormir. A não ser pela manhã, quando eu me deitava por duas ou três horas e ia trabalhar.

Um dia, no caminho do trabalho, fiquei parada no trânsito por uma hora. O trânsito de São Paulo me enlouquecia e o que me restava era observar pessoas pra passar o tempo. Pessoas sempre cheias de raiva, pressa, tédio, sono, cansaço... Tudo igual! Foi quando alguém no rádio pediu sorrisos. A ordem era olhar pro carro ao lado e sorrir. Sorriso é confissão, mas de tão cansada que estava, sorri.

No fim do dia, cheguei em casa, apaguei as luzes, olhei fixamente pra vela e adormeci.

No outro dia comecei a me livrar de tudo o que me fazia mal e sorrir pra mais pessoas. Meu medo do escuro ainda estava lá, mas eu o ignorava, dividia com os outros sorrindo, do meu modo, e me concentrava na claridade que vinha da vela. Ela era calorosa. Até parecia um sorriso. E o resto eu resolvia pela manhã.

sábado, 18 de outubro de 2008

Aquela velha escuridão I



Quando senti medo do escuro pela primeira vez, eu era muito pequena. Me lembro da minha mãe descendo as escadas e assoprando as velas. Eu, vendo aqueles movimentos por cima das cobertas, permanecia estática e calada.
Era estranho: o terror tinha acabado de começar e eu simplesmente me apavorava em silêncio.
Nunca gostei de me abrir pra ninguém. Seja qual fosse o problema, ele era meu e levantar para acender as velas não me livraria da escuridão dos corredores. Ela ainda estaria lá.

Cresci com o medo rindo do meu silêncio e me impedindo de viver como queria. Meus sentimentos sempre transbordavam nas noites frias e eu era covarde demais para chorar. Então me levantava, colocava o casaco, acendia todas as luzes da casa e escrevia.
Escrevia sobre o que sentia, sobre o medo, sobre a fé. Me confessava e esperava a luz do amanhecer invadir os meus olhos cansados.

(continua)...