Maria nasceu atrás de uma estação ferroviária. Enquanto a mãe gritava, o trem apitava. Anos depois, sentou-se no último vagão e terminou de ler Cem Anos de Solidão. Irrompeu em um choro sofrido. Pegou o espelho de bolso pra ver por onde o rímel escorria e, enquanto contornava os olhos com os dedos, viu João.
João era alagoano e tinha pele de castanha do Pará com casca. Sempre que tomava banho, cantava Belchior. Se dava bem com a vizinhança e era feito de camisas brancas, cabelos penteados e sorrisos baixos. Quando dizia “oi”, parecia querer dizer que sentia muito. Sentado sozinho na mesa, tomava um café e fitava Maria de costas, por cima da xícara.
Quando perceberam que haviam se notado, pularam das cadeiras. João queimou os lábios e derrubou o café na toalha branca. Maria derrubou o espelho, que se partiu em dez no chão, e deixou o batom vermelho escorregar.
João, nervoso, gaguejou em pensamento e seguiu na direção de Maria, segurando o tubo cor de sangue. Parando ao lado da mesa, viu a moça que ainda juntava cacos e segurava a saia que teimava em voar com o vento.
Sorriram. Falaram-se com olhares e acenos. A piscadela de Maria disse: "muito obrigada". João entendeu e lhe estendeu a mão. A partir daí, passaram a dividir a mesa, a toalha manchada de café e sete anos de sorte.
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